O Último Cigarro


Autor: Pedro Emmanuel

No hospital de minha cidade, repousa um antigo galanteador, um velho que já fora novo e promissor dentre as garotas de sua época, um homem ao qual girou o globo terrestre e mudou completamente sua inclinação com o auxilio de apenas algumas garrafas de vinho, e cartelas e mais cartelas de ácido, e é claro, sem faltar seus cigarros.

Quando jovem, saia em grupo com seus colegas intelectuais e marxistas, iam em bares, perturbavam a noite e à acolhiam para si como uma tragada em um cigarro barato. Isso mesmo, eles tragavam a noite, liam poesias revolucionárias, liam Yeats e Rimbaud, intitulavam=se como os novos beats brasileiros
.
Escreviam poemas em guardanapos sujos, e os recitavam para prostitutas e mulheres da vida, afim de lhes encantarem e assim as possuírem. Uma delas, Margarete, uma loura linda se apaixonou pelo cara em questão, e juntos participaram de orgias transcendentais e descomunais, partilharam sorvetes, pipocas, cigarros, garrafas de vinho tinto; que na verdade era o preferido dela. E viveram um tempo juntos. Apaixonadamente felizes
.
Esse rapaz sou eu em minha juventude, e hoje desfruto de um leito no Hospital Central. Câncer, no pulmão, deu metástase e se espalhou para todos os lugares possíveis, só me resta relembrar os momentos bons, de farra e curtição junto de meus amigos e de Margarete, a loura mais linda que já vi. Ela pereceu aos trinta e seis anos, quando estava  trabalhando e um sujeito a estrangulou até a morte.

Desfruto de um último cigarro Dr. Frank, enquanto leio O Uivo, de Allen Ginsberg, provavelmente esse será meu ultimo cigarro, antes de partir para os braços da Morte. A enfermeira entra no quarto e me vê fumando:

- Seu Roberto, já lhe avisei sobre cigarros aqui dentro, e falando nisso onde conseguiu isso - apontando para o maço vazio.

- Um velho camarada me trouxe, junto de um isqueiro. Deixe-me terminar, é o ultimo do maço, e todos - fui interrompido por uma crise de tosse - e todos sabem que o último é sagrado.
- Está bem, vou fazer vista grossa dessa vez.

Ela verificou os aparelhos e aparatos, enquanto eu acabava de fumar. Apaguei-o na janela próxima à mim e descansei o livro sobre o criado-mudo. Deitei de bruços e esperei a minha partida, foi mais rápida do que pensei olhei para janela e com um suspiro fechei os olhos. Escuridão.

Comentários

Postagens mais visitadas