A Mosca da Cabeça Branca


Autor:Pedro Emmanuel


Havia um corpo; um homem de mais ou menos um metro e sessenta, baixo e magro, sobre seus olhos paralisados pairavam duas moscas, em uma bela sinfonia voavam; os zumbidos quase inaudíveis e suas asas quase invisíveis.

As moscas voavam ao redor das orbitas oculares do morto e por fim pousavam na imensidão esferoidal de um dos olhos, cavoucavam e sentiam as pupilas dilatadas e imobilizadas, esfregavam suas patas uma nas outras e aproveitavam para desovar.

As pequenas moscas se banqueteavam do cadáver e achavam graça na situação, enquanto das vísceras do morto eclodiam inúmeros ovos. O barulho era quase ensurdecedor. Quando elas nasceram e criaram asas, se alimentaram do cadáver, de pouco em pouco, de geração à geração.

A figura cadavérica que antes era Vilmar Porto, um renomado e rico critico de arte, agora está irreconhecível. Cheio de buracos purulentos e fétidos, sem contar o cheiro de carne podre que paira no ar. Na sala, embaixo do cadáver, entre o carpete, formara-se uma grande poça de sangue perecido, escura demais para ser o sangue que antes corria em suas veias e que agora havia sido profanado em nome daqueles insetos tão interessantes. E um lenço rosa com as iniciais N.P. gravadas em bordô, manchado com o liquido carmim se encontrava na mão de Vilmar.

Um pouco além do cadáver se destacavam pegadas de sapatos masculinos, ainda manchadas com sangue, indicando que alguém permaneceu ali, até se formar a poça. Depois pisou nela e sem perceber deixou rastros, como um rato que se mija quando assustado. Uma tesoura de jardinagem, rubra nas laminas mas limpa nos cabos, depositada no peito do sujeito, que agora é mesclada em tantos vermes e moscas.

Alguém entra no apartamento, quando observa a cena rapidamente fecha os olhos e começa a gritar, em uma histeria. É uma mulher, Natalie, esposa de Vilmar. Olhando aquela cena repugnante ela sai do apartamento em prantos por busca de ajuda, possivelmente alguma autoridade local.

Meia hora depois mais dois homens entram no apartamento e relatam um possível caso de homicídio, ou suicídio, não se sabem ao certo. O assassino podia estar longe naquele momento, ou perto demais para saberem, mas o fato concreto é que um banquete divino havia sido realizado ali, durante aqueles cinco dias, vidas foram tiradas e vidas foram dadas e nisso se prossegue o voo da mosca da cabeça branca, sem saber da onde veio ou para onde vai.

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